Após um ciclo de crescimento inorgânico que pressionou o nível de endividamento, a Oncoclínicas busca agora o reequilíbrio financeiro com uma série de medidas estruturais. O plano inclui desinvestimentos em ativos não estratégicos, corte de custos, revisão de contratos e um aumento de capital de até R$ 2 bilhões, a ser votado pelos acionistas em 8 de outubro.
Em entrevista ao NeoFeed, Bruno Ferrari, CEO e fundador, contou detalhes desse projeto, que recusa chamar de turnaround, mas de um “back to the basics”, com foco total na oncologia e ganho de eficiência.
Desde o IPO, quando a empresa levantou R$ 1,78 bilhão em oferta primária e Ferrari retornou ao cargo de CEO para liderar o crescimento da empresa, as ações da companhia acumulam cerca de 85% de desvalorização. A empresa terminou o último trimestre com R$ 4,1 bilhões de dívida líquida. O montante é 4,4 vezes seu Ebitda ajustado e mais que o dobro de seu valor de mercado, de R$ 1,99 bilhão.
“Em algum momento, investimos em hospitais gerais dentro desse processo de transformação. Mas, no pós-pandemia, com juros altos e fontes pagadoras passando por estresse financeiro, ficou claro que essa era uma estratégia muito mais desafiadora”, afirma Ferrari.
“Foi um desvio de rota que não funcionou. Erros como esse não podem se repetir. E os erros a gente nunca esquece”, complementa.
Ferrari também confirmou informações que vinham sendo antecipadas pelo NeoFeed, como as negociações para interromper contratos de built to suit, o encerramento de novos aportes no projeto de expansão na Arábia Saudita e a busca por um comprador para um terceiro hospital.
O executivo, no entanto, negou que deixará o cargo de CEO após o aumento de capital e afirmou que não há qualquer acordo entre os acionistas envolvendo sua saída.
“Isso nunca foi ventilado. Na última reunião do conselho, quando aprovamos o fato relevante do aumento de capital, o conselho, com meu referendo, me indicou para liderar esse processo de voltar às origens da companhia. Confiaram em mim, e eu vou entregar”, afirma ele.
Embora não tenha detalhado qual parcela da dívida será convertida em ações nem o montante de dinheiro novo que deve entrar, Ferrari afirmou que o aumento de capital trará uma solução “definitiva” para a estrutura da companhia e ressaltou que há uma forte demanda pela operação.
A expectativa, disse o fundador da Oncoclíncas, é levantar o limite máximo de R$ 2 bilhões na operação, seja via conversão da dívida ou injeção de dinheiro novo. Nessa operação, está prevista a preferência dos acionistas para que não tenham suas participações diluídas.
Ferrari, que é um dos sócios de referência, com 8,41% do capital da Oncoclínicas, afirmou que ainda não definiu o quanto aportará, mas que deverá exercer seu direito de preferência.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é o plano de reestruturação da Oncoclínicas?
Estamos com uma série de iniciativas dentro da companhia, de eficiência operacional, desinvestimentos em ativos non core, ou seja, focando completamente na linha oncológica. Isso vai trazer resultados no curto prazo para dentro da companhia. Ao mesmo tempo, lançamos uma assembleia para o dia 8 [de outubro] para aprovar um aumento de capital, para endereçar definitivamente a estrutura de capital da companhia e propiciar um crescimento orgânico estruturado para os próximos anos.
Qual é a expectativa da adesão dos debenturistas nessa operação? Quanto vocês estimam que deve ser convertido da dívida em ações?
Isso endereça a coisa mais importante para a companhia neste momento, que é a estrutura de capital. O que sabemos é que existe uma procura importante dentro do mercado. Os nossos advisors — o Rothschild e o Marcos Gonçalves [da Cvpar] — têm sido procurados para entender como vai ser essa estrutura e como poderiam participar. Então, temos realmente a expectativa de levantar esses R$ 2 bilhões.
Para resolver o problema?
Então, isso resolve um problema estrutural da companhia hoje, que é a estrutura de capital — mesmo dentro de um cenário macroeconômico super desafiador, com juros altos, que, pelo que a gente entende, continuarão elevados por algum tempo. O que estamos dimensionando aqui é um aumento de capital que realmente resolva o problema. Não é um paliativo, é uma solução definitiva. Naturalmente, isso também envolve a entrada de recursos novos, com os atuais acionistas fazendo aportes e contribuindo nesse processo.
“Eu ainda não defini todos os detalhes, mas devo exercer minha preferência e participar do aumento de capital”
Como um dos maiores acionistas, com 8,41% do capital, vai participar do aumento de capital?
Eu ainda não defini todos os detalhes, mas devo exercer minha preferência e participar do aumento de capital. Posso falar apenas por mim, não pelos outros acionistas, mas sei que vou fazer parte.
O que a companhia sabe da demanda pelo aumento de capital?
Acreditamos que será um aumento de capital bastante exitoso, até porque vem acompanhado de medidas estruturais aqui dentro. Fizemos um rightsizing [otimização da estrutura] da companhia, ajustando-a ao tamanho que precisa ter. Abrimos mão de algumas fontes pagadoras que nos penalizavam e prejudicavam nosso balanço. Com isso, alcançamos maior eficiência operacional.
Com desinvestimentos…
Também estamos realizando desinvestimentos em ativos core — já anunciamos a venda de dois hospitais, o de Uberlândia e o Marcos Moraes, no Rio de Janeiro. Mas seguimos operando a oncologia nesses hospitais, mantendo o ciclo completo do paciente oncológico dentro da nossa estrutura. Isso é importante porque não muda a estratégia de cobrir toda a jornada do paciente.
Como vê a companhia após o aumento de capital?
Esse trabalho começou antes do aumento de capital. O primeiro passo foi aumentar a eficácia operacional. Interrompemos, por exemplo, o atendimento da Unimed Ferj, que vinha enfrentando dificuldades e nos penalizava, o que já trouxe uma melhora no fluxo de caixa. Também reestruturamos a companhia como um todo — número de colaboradores, revisão de contratos de longo prazo — e esses ajustes já mostram resultados, com redução de despesas.
Qual o segundo passo?
O segundo é o back to the basics: foco absoluto na oncologia, nosso core. Seja no atendimento ambulatorial, que é o principal, seja em pacientes internados. Com isso, a Oncoclínicas volta a ser uma companhia mais leve, menos intensiva em capex, como começou. E os números devem refletir isso novamente, com uma empresa mais eficiente e totalmente dedicada ao tratamento oncológico.
“Não existe nenhum acordo de acionistas na Oncoclínicas. Os atuais sócios têm zero acordo”
O NeoFeed apurou que há um acordo entre os acionistas para removê-lo do cargo de CEO após o aumento de capital. Isso vai acontecer?
Primeiro, não existe nenhum acordo de acionistas na Oncoclínicas. Os atuais sócios têm zero acordo; isso nunca foi ventilado. Segundo, na última reunião do conselho, quando aprovamos o fato relevante do aumento de capital, o conselho, com meu referendo, me indicou para liderar esse processo de voltar às origens da companhia. Confiaram em mim, e eu vou entregar.
A sua saída é especulação de mercado?
Esses rumores são muito mais especulação de mercado do que qualquer outra coisa. Eu era chairman, voltei para ser CEO justamente para conduzir essa fase de crescimento acelerado. Crescemos muito e agora estamos corrigindo algumas rotas. Tenho um compromisso com a companhia, com o conselho, com os acionistas, investidores, colaboradores e médicos: estarei à frente de todo esse processo para recolocar a empresa nos trilhos, que é o lugar dela, como destaque nacional e internacional no tratamento oncológico.
Então, esse acordo de acionistas não existe?
Não há nenhum acordo em discussão. Eventuais mudanças de gestão ou a entrada de mais senioridade fazem parte do ciclo natural de qualquer companhia, assim como um processo de sucessão. Mas nada disso deve acontecer no curto prazo.
“Eventuais mudanças de gestão ou a entrada de mais senioridade fazem parte do ciclo natural de qualquer companhia, assim como um processo de sucessão. Mas nada disso deve acontecer no curto prazo”
No cenário internacional, havia o plano de expansão para a Arábia Saudita. A companhia continuará investindo nesse projeto?
Estamos prestes a inaugurar a primeira clínica, dentro de um mês. O que deve acontecer é que o nosso sócio na Arábia assumirá os maiores investimentos dessa fase. Continuaremos participando do projeto, mas com uma participação menor e maior liderança do grupo Al Faisaliah, da Arábia Saudita. Não vamos aportar mais capital lá. O que falta para concluir essa primeira fase será investido pelo nosso sócio, o que trará apenas uma pequena diluição para nós.
A Oncoclínicas tem três projetos built to suit em andamento. Esses investimentos também serão reduzidos?
Estamos em negociação com a empresa que faz os BTS para nós, revisando termos e remodelando contratos. Pode ser que um ou outro projeto não siga adiante. Essa é uma prioridade: não queremos mais estar no mercado de hospitais gerais. Se houver oportunidade de manter apenas a linha oncológica, ótimo. Caso contrário, a decisão estratégica é descontinuar qualquer atividade fora do nosso core, que é o tratamento oncológico. Portanto, sim, estamos discutindo repactuações desses projetos.
Com um ritmo de expansão possivelmente menor, analistas veem a Rede D’Or ganhando market share em oncologia. A companhia já está monitorando esse risco?
A Oncoclínicas tem se concentrado em ser um provedor de tratamento oncológico custo-efetivo. Para isso, temos acordos de longo prazo, seja com parceiros hospitalares conduzindo oncologia, com fontes pagadoras ou via expansão por franquias. Existe uma visão, a meu ver distorcida, de que apenas o médico traz o movimento. O que gera movimento é o conjunto da obra: escala, custo-efetividade, medicina baseada em evidências e protocolos médicos. Isso faz com que as fontes pagadoras nos elejam como prestador preferencial, abrindo novas frentes para os médicos. Recentemente, descontinuamos uma fonte pagadora em dificuldade, o que afeta os números no curto prazo. Mas isso abre espaço para outras operadoras de saúde ampliarem sua presença no grupo. Por isso, entendemos que esse ruído de mercado não se traduz na realidade do dia a dia.
A Oncoclínicas cresceu rápido e de forma inorgânica. O que fugiu do planejamento?
Entramos em um segmento que exigia escala sem ainda ter essa escala. No início parecia tudo bem, tínhamos acabado de nos capitalizar no IPO, mas o macro piorou, as fontes pagadoras ficaram pressionadas e ainda tivemos o desafio de transformar instituições não oncológicas em oncológicas. Os desafios foram enormes.
E a ida para hospitais gerais?
Em algum momento, investimos em hospitais gerais dentro desse processo de transformação. Mas, no pós-pandemia, com juros altos e fontes pagadoras passando por estresse financeiro, ficou claro que essa era uma estratégia muito mais desafiadora. Foi um desvio de rota que não funcionou. Erros como esse não podem se repetir. E os erros a gente nunca esquece.
“Se houve ou não descumprimento após o IPO, isso não diz respeito ao management da companhia. Esse assunto [OPA] está sendo tratado no âmbito da CVM”
O que fazer agora?
Agora estamos desinvestindo. Já negociamos dois hospitais e seguimos em conversas sobre um terceiro, sempre mantendo o fluxo do paciente oncológico conosco. O cenário foi quase uma tempestade perfeita: investimentos altos, um mercado desafiador, a escala não vindo no tempo certo. Corrigimos a rota e voltamos ao que fazemos melhor que todos: oncologia.
O que teve de positivo nesse período?
Essa estratégia trouxe oportunidades. Passamos a ser vistos como parceiros por players hospitalares, como ocorreu com o Grupo Santa, em Brasília. Foi muito mais eficiente do que seguir investindo pesado em aquisições.
Qual é a capacidade de a Oncoclínicas gerar liquidez com a venda desses ativos não estratégicos?
Quantitativamente é mais difícil de falar, mas qualitativamente nós vamos ficar com um nível de endividamento absolutamente saudável para uma companhia dentro de um cenário macro como esse. Esse é o objetivo final. Tanto que o aumento de capital é de até R$ 2 bilhões justamente para resolver a estrutura de capital. E aqui não é liquidez, é estrutura de capital mesmo, em geração de resultado.
É um turnaround?
Não é um turnaround, é back to the basics: voltar ao que a gente já faz bem, tirar o que não está no core e ficar só com o que está. As clínicas oncológicas, separadamente, sem endividamento, estão absolutamente saudáveis. Então, qualitativamente, queremos um endividamento que seja extremamente saudável para um momento altamente desafiador que nós estamos vivendo.
Uma associação de investidores vem debatendo sobre uma possível OPA envolvendo os fundos Josephina. O motivo é a gestora Centauro ter superado os 15% de participação, com a venda da participação do Goldman Sachs para ela, o que ativaria a poison pill. O que a empresa sabe sobre esse assunto?
Essa é uma disputa entre acionistas. Se houve ou não descumprimento após o IPO, isso não diz respeito ao management da companhia. Não afeta o dia a dia, nem a estrutura de capital, nem os processos de desinvestimento e investimento.
Mas a empresa tem conhecimento desse assunto?
Esse assunto está sendo tratado no âmbito da CVM. O que posso dizer é apenas o que é público: existe uma disputa entre acionistas em análise pela CVM, sem participação da companhia, como deveria ser. O management não participou de atos societários dos acionistas. Portanto, lamento, mas essa é a resposta. A companhia não foi envolvida e não tem outras informações além das públicas.