Guterres discursava aos embaixadores na icónica Câmara em Nova Iorque no Dia das Nações Unidas, assinalando os 80 anos desde a sua fundação. Ele falou através de videoconferência a partir da capital do Vietname, Hanói, durante um robusto debate aberto sobre como a ONU navega num futuro incerto.
Como principal órgão da ONU para a manutenção da paz e da segurança internacionais, o conselho exerce um poder significativo, incluindo a autoridade para impor sanções e autorizar ações militares.
Cinco dos seus 15 membros têm assento permanente e receberam poder de veto ao abrigo da Carta das Nações Unidas.
Embora o Conselho tenha desempenhado um papel central na manutenção da paz, na resolução de conflitos e na defesa do direito internacional, o seu sistema de veto muitas vezes paralisou a acção e suscitou críticas.
A estrutura do órgão é vista por muitos países e altos funcionários como não representativa, deixando regiões como a África e a América Latina sem voz permanente.
Invocando aqueles que confiam no Conselho há mais de 80 anos para acabar com as guerras, Guterres disse que “o privilégio de sentar-se nesta mesa acarreta o dever – acima de tudo – de honrar a fé dessas pessoas”, disse ele. “Sem um Conselho de Segurança adequado ao seu propósito, o mundo corre grave perigo.”
Debate sobre fundamentos
Presidindo ao conselho de outubro, a Rússia elogiou as conquistas da ONU, mas criticou as ações dos governos ocidentais, enquanto a Guiana, membro eleito (não permanente), disse que o órgão não era representativo, defendendo uma representação global maior e significativa.
Os Estados Unidos concentraram-se na reforma operacional e na responsabilização e apelaram a uma selecção baseada no mérito do próximo Secretário-Geral – que assume o comando em Janeiro de 2027 – enfatizando a primazia da soberania nacional e da transparência no processo de selecção.
O representante dos EUA apelou ao fim de um processo de seleção baseado na alternância entre regiões, argumentando que era altura de escolher entre uma lista global de candidatos.
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O Secretário-Geral António Guterres (no ecrã) dirige-se aos membros do Conselho de Segurança.
Uma ONU para os fracos, não para os poderosos
O chefe da ONU pintou um quadro vívido de como as decisões do Conselho podem impactar os cidadãos em todo o mundo:
“O Conselho de Segurança não trata de hegemonias e impérios. Trata-se de pais que perderam os seus filhos, de refugiados afastados das suas casas, de soldados que sacrificaram os seus membros.
“Em cada sombra desta Câmara você está cercado pelos fantasmas dos mortos. Mas ao lado deles está outra coisa – as esperanças dos vivos.”
Ele instou os membros do Conselho a ouvirem essas esperanças.
“Ouça com atenção e você ouvirá os gritos dos seus cidadãos que se manifestam pela paz; os sussurros das famílias que anseiam por segurança…O emblema das Nações Unidas não ostenta a coroa de louros de um vencedor, mas a coroa de oliveiras de um pacificador.”
Mas a sua legitimidade é frágil
Guterres destacou os sucessos do Conselho ao longo de oito décadas, desde a ajuda ao Camboja emergir do genocídio ao apoio à transição da África do Sul do apartheid e ao envio de missões na Serra Leoa, Timor-Leste e Libéria.
No entanto, a sua legitimidade permanece frágil, sublinhou, observando que violações da Carta das Nações Unidas por parte de alguns Estados-Membros minam a confiança e colocam em risco a estabilidade global.
Ele apelou e alargou o número de membros para melhor reflectir a demografia mundial, incluindo a representação permanente de África, América Latina e Caraíbas.
Guterres também incentivou discussões sobre propostas para limitar o uso do veto.
Uma visão ampla do Conselho de Segurança enquanto o Secretário-Geral António Guterres (na tela) se dirige aos membros.
Rússia: potências ocidentais divisórias
O Embaixador da Rússia, Vassily Nebenzia, elogiou as conquistas da ONU, mas advertiu contra as ações das potências ocidentais.
“Num esforço para manter a sua influência em declínio, o Ocidente dividiu o mundo em ‘nós’ e ‘eles’ – ‘democracias’ e ‘autocracias’ – um grupo daqueles que são escolhidos e daqueles que violam a sua ordem imposta”, disse ele.
Como resultado, muitos dos princípios da Carta das Nações Unidas permanecem conceitos e não uma realidade. “Aventuras” – desde a invasão do Iraque e as Revoluções Coloridas até à recente invasão do Irão – apenas levaram à tragédia, disse ele.
Guiana: Reformar agora
A Embaixadora da Guiana, Carolyn Rodrigues-Birkett, ecoou os apelos à reforma, descrevendo a actual configuração do Conselho como não representativa.
“O Conselho de Segurança deve ser reformado. Apesar da ampla amplitude do trabalho da ONU, a realidade é que este sucesso ou fracasso das Nações Unidas como um todo é julgado em grande medida através da acção, ou falta dela, do Conselho de Segurança”, disse ela.
Ela apelou à criação de assentos permanentes para África e América Latina e a um assento rotativo para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, sublinhando que o interesse nacional e a cooperação internacional são complementares.
EUA: ONU ‘perdeu o rumo’
Os Estados Unidos, representados pela Embaixadora Dorothy Shea, centraram-se na responsabilização. Ela disse que a ONU se tornou uma “burocracia inchada” que perdeu o rumo, exigindo mandatos com objetivos políticos claros e parâmetros de referência mensuráveis.
“A ONU deveria servir os Estados-Membros em vez de deixar os Estados-Membros sujeitos a uma burocracia irresponsável”, disse ela.
Sobre o próximo Secretário-Geral, o Embaixador Shea disse que os EUA procuram um líder que restaure a ONU ao seu propósito fundador, respeitando a soberania do Estado e dando prioridade à responsabilização e à transparência.
Ela acrescentou que o processo de seleção deveria ser baseado no mérito, atraindo candidatos de todos os grupos regionais, e que o próximo Secretário-Geral deveria “trazer a ONU de volta ao básico e, ao fazê-lo, ajudar a alcançar a visão ousada de paz e prosperidade com a qual todos nos comprometemos”.
Uma humilde urna
Uma fotografia de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre energia atômica em 1947.
No início da reunião, o chefe da ONU recordou um momento notável dos primeiros dias da ONU: a primeira urna eleitoral do Conselho de Segurança em 1946. Para surpresa de todos, já havia um pedaço de papel no seu interior – uma nota de Paul Antonio, um mecânico local de Nova Iorque que tinha feito a caixa.
“Posso eu, que tive o privilégio de fabricar esta urna, dar o primeiro voto? Que Deus esteja com todos os membros da Organização das Nações Unidas e que, através dos seus nobres esforços, traga uma paz duradoura para todos nós – em todo o mundo”, escreveu o Sr.
“Paul Antonio – o mecânico nunca se sentou nesta mesa. Ele nunca fez um discurso ou assinou um tratado”, disse Guterres aos embaixadores.
“Mas ele acreditou em todos aqui. Ele acreditou em você. Eu lhe peço: honre essa confiança. Torne esta câmara digna das esperanças de cada homem, mulher e criança.”
Fonte: VEJA Economia
