Reconstrução de Gaza exigirá quase metade de valor transferido para reerguer Europa após 2ª Guerra

Reconstrução de Gaza exigirá quase metade de valor transferido para reerguer Europa após 2ª Guerra

Quase metade dessa quantia será necessária, segundo organizações internacionais, para reerguer a Faixa de Gaza, território do tamanho de um quarto do município de São Paulo que foi devastado por dois anos de guerra entre Israel e Hamas.

A reconstrução da faixa, reduzida a escombros, poderá levar décadas e custará ao menos US$ 70 bilhões (R$ 377 bi), segundo as Nações Unidas. Desde outubro de 2023, quando o conflito começou, cerca de 80% das estruturas de Gaza foram destruídas ou danificadas, de acordo com o Centro de Satélites da ONU.

Hospitais, escolas, redes de energia e sistemas de água e de esgoto foram comprometidos, o que deixou mais de 2 milhões de pessoas em situação de emergência humanitária. O restabelecimento desses serviços, segundo especialistas, exigirá esforço semelhante ao feito aos europeus no pós-guerra.

A diferença é que, enquanto o Plano Marshall foi criado com ambiente de relativa estabilidade, os planos para reestruturar Gaza têm obstáculos que vão além de questões financeiras. O principal deles é político.

O território continua sob bloqueio imposto por Israel e, mesmo com o acordo para cessar-fogo assinado há três semanas, tem sido bombardeado pelas forças de Tel Aviv. O Estado judeu acusa o grupo terrorista Hamas de desrespeitar o pacto e justifica as ações com o argumento de legítima defesa.

“Embora Gaza seja relativamente pequena, a reconstrução será complexa por vários motivos: primeiro, não acontecerão investimentos massivos sem que o território esteja pacificado; segundo, a área está arrasada, e os volumes de materiais necessários serão muito grandes, porém não há serviços de ferrovia ou de rodovia”, diz o economista Marcio Sette Fortes, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ.

Fortes, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, diz que os recursos para Gaza terão de ser transportados, sobretudo, pela via marítima, uma vez que o território não tem capacidade para produção própria. “Mesmo a Segunda Guerra não destruiu a infraestrutura completa dos países europeus, que conseguiram manter parte de seus meios de produção. Em Gaza, é diferente”, afirma.

Somente nos próximos três anos, segundo a ONU, serão necessários US$ 20 bilhões (R$ 107,6 bi) para as primeiras etapas da reconstrução. Os recursos seriam usados para o restabelecimento dos serviços mais urgentes, caso da reconstrução de hospitais, dos sistemas de água e da remoção de entulho, uma etapa delicada devido à presença de materiais contaminados e de munições que não foram detonadas.

Mais de 61 milhões de toneladas de detritos foram geradas em Gaza, dos quais apenas 81 mil (0,13% do total) tinham sido removidas até a metade de outubro. Para efeito de comparação, o volume é maior do que a deixada na guerra da Rússia contra a Ucrânia, ainda segundo estimativa das Nações Unidas, apesar de o conflito ter começado antes e de a fronteira ser bem mais extensa no caso do Leste Europeu.

Cerca de 15% desse material pode estar contaminado por substância perigosas, incluindo resíduos industriais, metais pesados e amianto, um mineral tóxico que pode ser inalado quando as fibras microscópicas são liberadas ao ar, algo comum durante as demolições.

Os riscos ambientais, portanto, são fatores de grande preocupação para a reconstrução, diz Jamon Van Den Hoek, professor associado de Geografia na Universidade do Estado de Oregon, nos EUA.

Autor de projeto que mapeou as edificações atingidas no território, ele diz que a infraestrutura fundamental para a sobrevivência deve ser bem estabelecida antes que investimentos sejam alocados para qualquer projeto de reconstrução em larga escala. Isso inclui acesso à água e à eletricidade.

Em paralelo, a recuperação do ecossistema é tida como essencial para a melhora imediata das condições de saúde e de segurança alimentar dos palestinos. Relatório do Unep, o programa ambiental da ONU, aponta que o colapso das estações de esgoto, a destruição das redes de encanamento e o uso de fossas sépticas improvisadas agravaram a contaminação do aquífero que abastece a população.
Os danos provocaram crise hídrica, comumente relacionada ao aumento de doenças infecciosas. Casos de diarreia aguda, por exemplo, aumentaram 36 vezes desde o começo do conflito.

A destruição também compromete a segurança alimentar: Gaza perdeu 97% das árvores e 82% das plantações, tornando impossível a produção de alimentos em larga escala. O colapso agrícola ocorre num contexto de crise humanitária severa, com mais de 500 mil pessoas em situação de fome.

Em projetos de reconstrução, a ONU aponta como urgente a restauração dos sistemas de água e de saneamento, bem como a remoção de entulhos, para conter doenças e evitar novas contaminações. Numa etapa posterior, mas ainda no curto prazo, orienta limpezas em áreas rurais e monitoramento da qualidade dos alimentos; para o médio e o longo prazos, elenca entre as medidas necessárias o uso sustentável dos recursos hídricos, com técnicas de dessalinização, para recuperar o aquífero local.

Já a remoção da maior parte das munições não detonadas levará de 20 a 30 anos, segundo Nick Orr, da Humanity & Inclusion, ONG com sede na França. Ainda assim, o trabalho não estará completo. “O material está no subsolo. Vamos encontrá-lo por gerações.”

Não há definição sobre quando a reconstrução terá início nem quem assumirá o financiamento. Países árabes, integrantes da União Europeia, Canadá e EUA já manifestaram disposição em contribuir.

Seja como for, Zaha Hassan, advogada e pesquisadora sênior da Fundação Carnegie, afirma que a estimativa de US$ 70 bilhões da ONU é conservadora. “Não tivemos uma avaliação real do terreno”, diz.

“Há enorme necessidade de ajuda imediata. De 5% a 8% da população foi morta ou mutilada. Como remover os escombros, cujo processo levará décadas? E onde depositá-los? Como recolher os 10 mil corpos que, acredita-se, estão sob os escombros? Será necessário bem mais do que levar tratores”, afirma.

Ações ambientais prioritárias na reconstrução de Gaza, segundo a ONU

Medidas mais urgentes
Priorizar a reconstrução dos sistemas de abastecimento de água e sanitários para minimizar surtos de doenças; Fazer a remoção de entulhos para facilitar a entrega de ajuda humanitária e o acesso à infraestrutura essencial; Estabelecer locais adequados para armazenamento temporário e descarte de entulhos, incluindo resíduos perigosos; Fazer triagem e o descarte seguro de entulhos contaminados e resíduos perigosos, incluindo amianto e metais pesados; Medidas para curto prazo

Trabalhos de limpeza em áreas rurais, a fim de diminuir a contaminação na cadeia alimentar; Monitorar a qualidade da água e dos alimentos para orientar restrições e ações corretivas; Desenvolver estratégias para gestão de entulhos e resíduos; Implementar programa de reciclagem de entulhos em larga escala, minimizando impactos ambientais; Medidas para médio e longo prazos

Planejar a utilização sustentável da água, inclusive com técnicas de dessalinização, para permitir a recuperação do aquífero local; Instalar redes de distribuição de água a partir de fontes de produção locais e transfronteiriças, com baixas taxas de vazamento e sistemas adequados de operação e manutenção; Desenvolver sistema de descarte de resíduos sólidos, incluindo sistemas de coleta, aterros sanitários e infraestrutura para reciclar e reutilizar materiais; Estabilizar e preencher túneis subterrâneos que ameaçam a estabilidade acima do solo; Fonte: Programa ambiental das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês)



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